Page 76 - Para além do tempo... - 7º ano 2023
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DE: Iara, 52 anos, aldeia Boa Vista.
PARA: Padre Kelvin, 37 anos, centro histórico de Paraty.
Oi, Kelvin!
Eu sou a líder da Aldeia Boa Vista, meu nome é Iara em
homenagem à minha mãe que morreu pouco depois que nasci. Tenho
52 anos, moro com meu marido, Anori, e apenas um filho, Coraci, que
significa sol. Aqui moram 55 famílias com mais mulheres do que
homens. Hoje em dia, nossas crianças vão para a escola e aprendem
nossa língua com cinco ou seis anos e, aos sete anos, aprendem o
português. Isso é bom, pois antes não tínhamos como ir para a escola,
pois não tínhamos direito, e, hoje, os mais novos podem frequentá-la
sem trabalhar na terra.
A história da nossa aldeia não começou em Paraty, pois nem
sempre estivemos aqui. Antes, moramos onde hoje é a Amazônia. Lá,
era ótimo, eu brincava com minhas amigas, até que um português nos
forçou a ir para outro lugar. Ficamos presos lá durante três anos e meio,
até que, no meio da noite, nosso líder, Anajé, com muita luta, conseguiu
nos trazer para cá. Não foi fácil chegar aqui, muitos morreram para
proteger nosso povo, eles são minha inspiração e luto sempre para
honrar seus nomes.
Quando isso aconteceu, eu era apenas uma criança. Quem
sempre estava comigo era minha melhor amiga, Rudá, ela é dois anos
mais velha que eu, era como uma irmã, sempre estivemos juntas, e em
vários momentos ela me protegia e cuidava de mim, pois nossos pais
sempre estavam fora para buscar um local para morar e procurar
alimento. Quando chegamos aqui, sofremos bastante porque nós
éramos bem pobres, não tínhamos alimentos, nem nenhum animal para
comer; porém, com o tempo, fomos crescendo, montamos a aldeia Boa
Vista e ficamos mais fortalecidos.
Ainda hoje, não temos posse total dessas terras, mas estamos
lutando muito para que o governo não as retire de nós, pois, afinal,
dessa forma, podemos ficar mais pobres e acabar perdendo nossos
costumes, e ninguém sabe o que pode acontecer conosco.